Caderno Latitudes e Longitudes
Olhando para o horizonte, sabendo a direcção do nascer e do pôr do Sol é possível saber em que direcção caminhamos. Para voltar para trás basta dar meia volta e seguir na direcção contrária.
Quando andamos em terra, isto é simples. Basta fixar um ou vários pormenores no horizonte e fazer o caminho inverso, mudando os pontos de referência da direita para a esquerda e da esquerda para a direita.
Claro está que se tiveres uma bússola podes saber a direcção do norte e do sul, e dos outros pontos cardeais.
Mas também é possível orientarmo-nos sem bússola, pois, por exemplo, em Portugal, o Sol do meio-dia solar indica-nos sempre o sul.
Orientarmo-nos de noite, no deserto ou no mar é mais difícil, pois não vemos pontos de referência no horizonte.
No hemisfério Norte, a Estrela Polar, visível à noite, indica-nos sempre a direcção do norte. Isto é, quando nos viramos para a Estrela Polar, o Sol vai nascer sempre à nossa direita e pôr-se à nossa esquerda.
Quem habite em Cabo Verde, que fica entre o trópico de Câncer e o equador, continua a ver a Estrela Polar para norte. Mas, dependendo da estação do ano, o Sol do meio-dia pode estar para norte ou para sul do sítio onde estamos.
Se fizermos uma viagem ao hemisfério Sul da Terra, como fizeram os navegadores portugueses a partir do século XV, já não vemos a Estrela Polar. Mas, o Saco de Carvão, indica-nos sempre a direcção do sul.
Localiza Cabo Verde no globo terrestre. Porque é que os habitantes de Cabo Verde vêm umas vezes o Sol do meio-dia a norte e outras vezes a sul?
Encontra no globo terrestre o equador e o eixo norte-sul. Ilumina com um candeeiro o globo terrestre e inclina ligeiramente o eixo norte-sul para a luz de maneira a que a região em torno do Pólo Norte, delimitada pelo círculo polar Árctico, fique iluminada. Coloca um lápis encostado ao globo e fá-lo andar sobre o balão, na vertical.
Como vês, existe um ponto em que o lápis não tem sombra. Procura agora o trópico de Câncer no globo e coloca aí o lápis. Inclina o eixo norte-sul de modo a que não exista sombra quando o lápis está sobre o trópico de Câncer. O eixo do teu balão está agora inclinado 23º e 30 minutos em relação à vertical. Para quem esteja no ponto da Terra onde o lápis encontra o globo e veja o Sol na posição do candeeiro é meio-dia do dia 21 de Junho!
Se andares com o lápis para norte, a sua sombra indica a direcção do norte, estando o Sol para sul. Se andares com o lápis para sul, a sua sombra indica a direcção do sul, porque o Sol do meio-dia está para norte.
Mas se a inclinação do eixo do globo terrestre for no sentido contrário, de modo a ser Inverno no hemisfério Norte, a sombra do lápis ainda indica o norte, em Cabo Verde e em Lisboa.
Assim, quem veja o Sol do meio-dia para norte ou para sul, em diferentes épocas do ano, habita entre o trópico de Câncer e o trópico de Capricórnio.
A resposta à nossa pergunta é simples: como o eixo norte-sul da Terra está inclinado em relação ao plano da órbita da Terra, no primeiro dia do Verão, a sul do trópico de Câncer, o Sol do meio-dia aponta para norte. Mas no Outono, entre o equador e o trópico de Câncer, o Sol do meio-dia aponta para Sul.
É possível determinar a hora do meio-dia solar usando apenas a sombra de um pau. Para isso, perto do meio-dia do teu relógio, coloca um pau na vertical e vai marcando com um giz a extremidade da sombra do pau e anota a hora. A hora em que a sombra é menor é a hora do meio-dia solar. Por outro lado, a direcção da sombra do Sol ao meio-dia indica precisamente a direcção do Norte geográfico. Assim, podes realizar a tua experiência alinhando o relógio de Sol pela sombra, não sendo necessário recorrer à bússola. Podes, por exemplo, determinar a direcção do eixo Norte-Sul num dia e medir a latitude no dia seguinte.
Foi a observação da regularidade do movimento da Terra em volta do Sol que permitiu aos astrónomos e geógrafos encontrar métodos práticos para determinar a nossa posição sobre a Terra.
Os pontos mais a norte e mais a sul do equador são referenciados ao longo de linhas circulares paralelas desenhadas sobre a Terra. Essas linhas são os paralelos e a sua posição é medida em graus: o equador é a linha de zero graus, o Pólo Norte está a 90º N em relação ao equador, e o Pólo Sul a 90º S em relação ao equador. A medida da posição norte-sul chama-se latitude.
A latitude do trópico de Câncer é de 23 graus e 30 minutos, precisamente igual à inclinação do eixo da Terra em relação ao plano da sua órbita em torno do Sol!
Para determinar a latitude de um lugar durante o dia, é necessário saber, para além do ângulo que o Sol ao meio do dia faz com o horizonte, a data e a nossa posição aproximada sobre a Terra: é preciso saber se estamos no hemisfério Norte ou no hemisfério Sul e qual a nossa posição em relação aos trópicos. No hemisfério Norte a inclinação da Estrela Polar é a latitude de um lugar.
A latitude de um lugar é a medida do ângulo que se percorre quando se vai do equador até ao paralelo que passa por esse lugar, perpendicularmente ao equador. Esse ângulo é igual ao ângulo que a Estrela Polar faz com o horizonte, a qualquer hora. Medir a latitude é simples, pois no céu nocturno do hemisfério Norte da Terra, a Estrela Polar está sempre presente.
Foi com base em experiências com a sombra de paus e com muitas observações da posição do Sol e da Estrela Polar que se inventaram instrumentos para medir a nossa posição à superfície da Terra.
Com o astrolábio ou o quadrante pode saber-se se está mais a norte ou mais a sul, medindo o ângulo que a Estrela Polar faz com o horizonte, ou medindo a inclinação do Sol em relação ao horizonte.
Foram estes instrumentos que permitiram, a partir do século XV, o início das grandes aventuras pelos mares, possibilitando o regresso ao porto de partida, assim como a repetição das mesmas viagens.
Foi durante o século XVI que o matemático português Pedro Nunes desenvolveu instrumentos que permitiram aos navegadores traçar com precisão os mapas das rotas oceânicas.
Pedro Nunes nasceu em Alcácer do Sal, no ano de 1502. Viveu em pleno apogeu dos Descobrimentos Portugueses e, em 1529, foi nomeado cosmógrafo real por D. João III. Pedro Nunes inventou vários instrumentos astronómicos para a resolução de alguns problemas da navegação, como o anel náutico, o instrumento de sombras e o nónio. Os dois primeiros permitem determinar a altura do Sol, e o terceiro, quando adaptado ao quadrante, permite medir fracções do grau e dá com grande rigor a altura de uma estrela. Alguns destes instrumentos foram experimentados com êxito por D. João de Castro, nas suas viagens a Goa e ao mar Vermelho. O nónio foi utilizado e adaptado na construção de dois quadrantes pelo astrónomo Tycho Brahe, cujas observações astronómicas estão na base da descrição moderna do movimento dos planetas, a partir do final do século XVI.
Já sabemos determinar posições mais a norte ou mais a sul sobre a Terra, isto é, sabemos determinar a latitude de um lugar. Para determinar completamente a nossa posição sobre a Terra é necessário saber se estamos mais a este ou a oeste, isto é, precisamos de saber a longitude. Agora, o Sol e as estrelas não nos podem ajudar.
A ideia de determinar a nossa posição este-oeste veio do Egipto, do astrónomo grego Ptolomeu, que nasceu há cerca de 2170 anos. Ptolomeu lembrou-se de passar pelo Pólo Norte e pelo Pólo Sul círculos verticais a que chamou meridianos. A posição destes meridianos era medida em relação ao meridiano dos Zero Graus que passava num ponto escolhido sobre o equador. Para Ptolomeu o meridiano zero passava pelas ilhas Canárias. Mas como esta decisão é arbitrária, ao longo da história, reis e ministros foram fazendo passar o meridiano dos Zero Graus pelos Açores, Cabo Verde, Roma, Paris, Pisa, Filadélfia e Londres. Hoje passa pelo Observatório de Greenwich, a este de Londres.
Para se determinar a longitude de um lugar, não basta definir os meridianos, são necessários instrumentos para o fazer. Uma possibilidade é através da medição do tempo, ou seja, com a ajuda de um relógio.
A determinação da longitude de um lugar baseia-se no facto de a Terra dar uma volta completa em torno do seu eixo norte-sul em aproximadamente 24 horas. Para isso é necessário saber a diferença horária entre o meio-dia solar do local e de um ponto de referência, determinado pela altura máxima do Sol nos dois locais. Como a Terra faz uma rotação completa sobre si mesma (360 graus) em 24 horas, por cada hora de diferença entre o meio-dia do ponto onde estamos e do ponto de referência, foram percorridos 15 graus para este ou para oeste.
Por exemplo, para determinar a longitude no mar basta sair do porto com um relógio que não se desacerte e, ao meio-dia local, determinar a hora no porto de partida. Com a ajuda das tábuas de navegar que têm as horas do meio-dia no porto de partida, para todos os dias do ano, os pilotos podem calcular a diferença horária entre o meio-dia solar do ponto em que estão e o do porto de partida.
Por cada hora de diferença horária, estão mais ou menos 15 graus para este ou oeste em relação ao porto de partida.
Como podemos saber a latitude, pelo ângulo que o Sol faz com o horizonte ao meio-dia ou, durante a noite, pelo ângulo que a Estrela Polar faz com o horizonte, sabemos o paralelo em que nos encontramos. Assim, sabendo o paralelo e o meridiano, podemos marcar sobre o globo terrestre a nossa posição.
Mas transportar um relógio num barco era uma tarefa complicada. Suportar os balanços dos navios, a humidade e as diferenças de temperatura, não era coisa fácil para os relógios dos séculos XV, XVI, XVII e XVIII.
Dos finais do século XV, altura em que Colombo chegou à América, até aos finais do século XVIII, o transporte de um relógio a bordo foi considerado como o problema mais difícil das ciências náuticas. As dificuldades encontradas por perda de rumo e de naufrágios foram tantas que, em 1598, o rei Filipe III de Espanha ofereceu um prémio para quem descobrisse um processo prático de determinar a longitude. Mais tarde, em 1714, o rei George III de Inglaterra, a pedido de navegadores e comerciantes, instituiu o prémio do Acto da Longitude para quem encontrasse a solução do problema da longitude.
A invenção do relógio que não se desacertava nos navios foi feita pelo artesão inglês John Harrison, em meados do século XVIII, e o primeiro teste náutico foi efectuado em 1736, numa viagem para Lisboa. A invenção de John Harrison só foi reconhecida em 1773, quando recebeu o prémio do Acto das Longitudes.
Só depois de 1773 é que se tornou possível determinar com precisão longitudes no mar. Até lá, a navegação era feita com grande risco, tendo ficado na história vários relatos de acidentes por perda de orientação. Muitas vezes, por segurança, os navegadores seguiam rotas ao longo de paralelos, mantendo sempre a mesma altura do Sol ao meio-dia. Foi o caso de Cristóvão Colombo que, em 1492, chegou à América navegando sempre ao longo de um paralelo.
John Harrison nasceu em 1693, num ambiente rural, e aos 18 anos construiu um relógio de madeira. Em 1730, muda-se da sua aldeia natal para Londres e apresenta os planos para o seu relógio náutico a Edmond Halley, um dos mais famosos astrónomos da época. Os seus planos são acolhidos com cepticismo por Halley. Nos cinco anos seguintes Harrison dedica-se a construir o primeiro protótipo do relógio náutico. Este relógio, que ainda funciona perfeitamente no Museu de Greenwich, tinha cerca de 35 kg e quatro mostradores que indicavam o dia, as horas, os minutos e os segundos. Foi experimentado com sucesso pela primeira vez numa viagem do H. M. S Centurion para Lisboa, apresentando variações de alguns segundos por dia. Dos resultados da viagem a Lisboa, John Harrison esteve quase a ganhar o prémio do Acto das Longitudes, mas, para surpresa de todos, pediu que lhe fosse dado tempo para poder aperfeiçoar o seu protótipo. Harrison não estava contente com a precisão nem com as dimensões do seu relógio. Nos vinte e cinco anos que se seguiram, construiu mais três protótipos. Durante este tempo, Harrison foi apoiado pela Sociedade Real Inglesa e desenvolveu todos os mecanismos que estão na base dos relógios modernos.
O quarto relógio só foi acabado em 1759, pesando cerca de 1,5 kg. Depois dos testes de navegação à Índia, John Harrison recebeu em 1733 o prémio do Acto das Longitudes, morrendo três anos depois.
Actualmente, o seu relógio de madeira e os quatro relógios náuticos ainda funcionam, prevendo-se que o último comece a apresentar problemas mecânicos daqui a quatrocentos anos!
A determinação da latitude e da longitude por um navegador
Um navegador sai de Lisboa com um relógio que não se desacerta em relação a outro que fica no ponto de partida.
Passados uns dias, quando o Sol está na sua posição mais elevada no céu (meio-dia solar), vê que horas são em Lisboa e determina, com o seu astrolábio, quadrante ou sextante, o ângulo que o Sol faz com o horizonte. O navegador determina, com a ajuda da bússola, se o Sol ao meio-dia está para norte ou para sul. Então, escreve num papel os seguintes dados, relativos ao meio dia solar do local onde se encontra:
Altura e direcção do Sol ao meio-dia solar: 62º, na direcção do sul.
Valor marcado pelo relógio com a hora de Lisboa: 13 h 28.
Data: 22 de Julho.
Latitude e longitude em Lisboa (porto de saída): 38º 44´ N, 9º 8´ W.
A partir destes dados, para saber a sua posição, o navegador vai pensar da seguinte maneira: Calcular a latitude seria muito simples se estivesse num dos equinócios, em que o Sol ao meio-dia está na vertical do equador: como a direcção da Estrela Polar faz um ângulo de 90º em relação ao equador, a latitude seria dada directamente por 90º menos o ângulo que o Sol faz com o horizonte. Por outro lado, desde que saí de Lisboa, há já alguns dias, que o Sol do meio-dia esteve sempre para sul e portanto tenho de estar a norte do equador.
Vejamos então qual será a posição do Sol no equinócio quando vejo o Sol do meio-dia para sul:
Como do solstício ao equinócio decorrem 92 dias, a altura do Sol ao meio-dia, em relação ao equador, varia 15´ 20´´ por dia, que obtive dividindo 23º e 30' por 92 dias. Ora, no dia 22 de Julho, 61 dias antes do equinócio, o Sol está entre o equador e o trópico, pelo que a altura do Sol em relação ao equador é 15' 20" vezes 61, ou seja, 15º 35´. Então, para calcular a latitude do lugar, tenho de descontar este ângulo ao que medi, 62º, como fiz para o dia do solstício. Assim, o ângulo para o cálculo da latitude é 62º menos 15º 35', isto é, 46º 25'. Finalmente, posso calcular a latitude como no dia do equinócio: 90º - 46º 25' = 43º 35' N.
Para calcular a longitude tenho de saber a que horas foi o meio-dia solar em Lisboa e comparar com as horas a que ocorreu o meio-dia solar no ponto onde me encontro. Com a ajuda das tabelas náuticas que os astrónomos do meu porto de saída fizeram, sei que o meio-dia solar em Lisboa se deu às 12h e 43 min. Assim, no ponto onde me encontro o meio-dia solar deu-se 45 minutos mais tarde que em Lisboa. Como a Terra roda 15º por hora, a uma diferença horária de 45 minutos corresponde um ângulo de 11º 15'. Assim, como a Terra roda de Oeste para Este, estou a oeste do ponto de partida, na longitude 9º 8' + 11º 15' = 20º 23' W.
A posição do navegador sobre a Terra é 43º 35' N, 20º 23' W. Se marcares estas coordenadadas no teu globo terrestre verás que o navegador está no oceano Atlântico Norte, a noroeste de Lisboa e a nordeste dos Açores.